23 de agosto de 2012

Um Poema Me Rezou





Para que Deus me escrevesse
entortei as linhas do tempo
Passaram os sete dias do infinito
e Deus não me palavreou

Nessa espera,
sonhei de viés
e divinizei a palavra

Como Deus sempre me desendereçou fui caindo em desabismos
desguarnecido de anjo
e em tudo quanto fui
só o demónio me guardou

Então me veio a suspeita:
Deus já não acredita em nada?·
Até que, certa vez,
um poema me rezou
e assim me confortei:
a justa palavra
talvez restaure a crença de Deus em nós·
Pedi licença à morte
Pedi perdão à vida:
mas não tive notícia
de quem eu queria me salvasse

E ainda hoje
só quem me reza:
as entortadas linhas da poesia


Mia Couto

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