21 de agosto de 2012

Ela Canta, Pobre Ceifeira



Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente ‘stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro!
Tornai Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!


Fernando Pessoa

ASSUNTOS RELACIONADOS:

António Botto
Bruno M. B. Rodrigues
Carlos Drummond de Andrade
Daniel Faria
Eugénio de Andrade
Fernanda de Castro
Fernando Pessoa
Florbela Espanca
José Luís Peixoto
Mário de Sá-Carneiro
Mário Quintana
Mia couto
Miguel Torga
Pablo Neruda
Vinícius de Moraes


Frederica Rodrigues - Para vender, comprar ou arrendar em Portugal