31 de outubro de 2012

LIVRO DE HORAS - Miguel Torga




Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.
 
Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.
 
Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.   

    
Me confesso de ser charco
E luar de charco, é mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
 
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
 
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
 
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!


 MIGUEL TORGA


ASSUNTOS RELACIONADOS:

António Botto
Bruno M. B. Rodrigues
Carlos Drummond de Andrade
Daniel Faria
Eugénio de Andrade
Fernanda de Castro
Fernando Pessoa
Florbela Espanca
José Luís Peixoto
Mário de Sá-Carneiro
Mário Quintana
Mia couto
Pablo Neruda
Vinícius de Moraes




Frederica Rodrigues - Para vender, comprar ou arrendar em Portugal